Na Primavera de 1933, Lowry vai com Conrad Aiken (escritor norte-americano, seu ídolo e tutor) e a mulher deste passar umas férias a Espanha, país que estava a viver então a Segunda República e no qual não eram ainda visíveis os sinais que três anos depois levariam à Guerra Civil, magistralmente abordada em Debaixo do Vulcão. Em Granada, a aguardente não deixou de seduzir Lowry, talvez em demasia, o que o levou a ter problemas com a Guardia Civil andaluza e a fazer crescer a vontade de Aiken em reenviar o jovem para Inglaterra.
No dia 19 de Maio, Lowry conhece Janine Vanderheim, com quem casará poucos meses depois. Jan era uma bela jornalista norte-americana que estava de férias em Granada (também Yvonne e Geoffrey se conhecerão nesta cidade), vai a caminho de Paris com um amigo francês, delicia-se com o escritor mas resiste-lhe, levando Malcolm a procurar um amigo na bebida e continuando a testar a paciência das autoridades espanholas.
No regresso a casa, Lowry embarca no Strathaird, navio da companhia P&O que fazia a carreira da Austrália, no qual partilha uma cabina com três ingleses «saídos de um romance de Somerseth Maugham», que, vindos da Índia, regressavam à pátria. No ano seguinte, este barco ficará associado ao nome de Egon Kisch, jornalista checo antinazi, que para evitar ser expulso da Austrália, à saída de Melbourne saltou do Strathaird tendo partido uma perna. Poucos anos depois, integrando as Brigadas Internacionais, Kisch estará a combater na Guerra Civil de Espanha ao lado das tropas antifranquistas, como Hugh Firmin, o meio-irmão do cônsul.
Regressando a Malcolm Lowry, sabemos que apanhou um comboio até Algeciras, tendo embarcado no Strathaird em Gibraltar no dia 29 de Maio, data em que aquele navio continua a sua rota para Inglaterra e que levará o escritor a terras lusitanas.
Aliás, consultando o «Voyage Report Card» deste navio relativo aos meses de Maio e Junho de 1933, confirma-se a falta de referência à capital portuguesa. Tal ausência não surpreende, pois estamos em crer que a paragem terá sido apenas técnica, sem saída ou entrada de passageiros, razão pela qual não tem de constar naquele relatório. Segundo este documento, o Strathaird parte de Gibraltar no dia 29 de Maio e aporta em Plymouth no dia 1 de Junho – passando, naturalmente, por Lisboa.
A delimitação deste período de tempo de quatro dias (entre 29 e o dia 1) é fundamental para sabermos com rigor o dia exacto da passagem de Lowry por Lisboa. Se tomarmos em atenção a velocidade do navio e a distância entre Gibraltar e o porto no Sul de Inglaterra, não haverá nenhuma dúvida de que o dia de passagem de Lowry por Lisboa é o dia 30 de Maio de 1933.
É este o único contacto do escritor nascido em Warren Crest com o nosso país. Mas que Portugal é este que Malcolm Lowry (não) encontra? Em Março, é aprovada por plesbicito uma nova Constituição (em que as abstenções são contadas como votos a favor), que entra em vigor no mês seguinte e que perdurará até ao dia 25 de Abril de 1974, quando uma revolução põe fim a uma ditadura de 48 anos. António de Oliveira Salazar é nomeado presidente do Conselho e governará o país até cair de uma cadeira em 1968, sucedendo-lhe Marcelo Caetano, que continuará a governar em ditadura. A censura é estabelecida para as publicações; é criada a PVDE-Polícia de Vigilância e Defesa do Estado, polícia política que exercerá uma forte acção repressiva sobre os combatentes antifascistas, sobretudo nas inúmeras manifestações que, de norte a sul do país, têm lugar contra o Governo fascista. Fernando Pessoa publica «Tabacaria» na revista Presença, e Pierre Hourcade (lusófilo ilustre, professor na Universidade de Coimbra e futuro director do Institut Français au Portugal) traduz para francês alguns poemas do autor de «Ode Triunfal». Em Lisboa, o filme M – Matou está em exibição. Tem como protagonista Peter Lorré, que actuará depois em Las Manos de Orlac – e não deixará Geoffrey Firmin dormir em paz. Na Europa, as nuvens vão gradualmente ficando mais negras. Na Alemanha, Hitler ascende a chanceler e em breve (como o Japão) abandonará a Sociedade das Nações; em Espanha, Primo de Rivera cria a Falange.
Em 1961, catorze anos depois da sua edição nos Estados Unidos e em Inglaterra, é publicado em Portugal Debaixo do Vulcão. A situação no nosso país Portugal não mudara muito e este seria o annus horribilis do ditador Salazar. A ditadura continua firme, as eleições fraudulentas haviam continuado a perpetuar a União Nacional no poder, mas o descontentamento popular e as formas de combate ao regime farão sentir-se e agravar-se-ão ao longo de todo o ano.
No dia 4 de Janeiro, uma rebelião de camponeses (Revolta da Baixa do Cassange) contra o consórcio luso-belga Cotonang é reprimida com violência pelas autoridades, fazendo centenas (ou milhares) de vítimas e iniciando, assim, a Guerra Colonial em Angola. Poucos dias depois, Henrique Galvão, antigo delfim de Salazar, sequestra o paquete Santa Maria nas Caraíbas, levando o barco até ao Brasil perante o olhar incrédulo do ditador e despertando o mundo para a realidade política portuguesa. Em Março, a Libéria apresenta uma queixa contra Portugal nas Nações Unidas, o que levará à aprovação de uma moção a condenar a situação em Angola e de outra a favor da sua autodeterminação. No mês seguinte, o general Botelho Moniz promove uma tentativa de golpe de Estado (A «Abrilada»). Em Novembro, o Super Constellation da TAP que fazia a ligação entre Casablanca e Lisboa é desviado por um comando armado («Operação Vagô») e distribui folhetos subversivos sobre várias cidades, incluindo a capital do país. Para finalizar o ano da pior maneira, a União Indiana ataca os últimos territórios portugueses no Oriente: Portugal perde as cidades de Diu e Damão e o estado de Goa, colocando ponto final a uma presença imperial que tem quase quinhentos anos.
A edição do romance de Malcolm Lowry não suscitou grande interesse por parte do público, motivando apenas um diminuto grupo de leitores que lia Debaixo do Vulcão em pequenas tertúlias. Traduzido por Virgínia Motta, tem 388 páginas e a publicação é da responsabilidade da Livros do Brasil, editora surgida em 1944. Este livro integrará a colecção «Dois Mundos», dedicada à literatura universal, na qual constam nomes como André Malraux, Albert Camus, Aldous Huxley, Ernest Hemingway, Franz Kafka, John Steinbeck, Pearl S. Buck ou William Faulkner, entre muitos outros de reconhecimento mundial. Nesta colecção seria ainda publicado o romance Ultramarina, em 1986, com tradução de Fernanda Pinto Rodrigues.
A publicação das restantes obras de Malcolm Lowry estará dispersa por distintas editoras: Escuro como o Túmulo Onde Jaz o Meu Amigo (Dark as The Grave Wherein My Friend is Laid) foi editado pelas Publicações Europa-América, em 1973, com tradução de Carmen González. Ouve-nos Senhor do Céu que é Tua Morada (Hear Us O Lord From They Dwelling Place) é editado em 1976 pelas Iniciativas Editoriais, com tradução de Ana Hatherly. Lunar Caustic foi traduzido por Aníbal Fernandes e publicado pela Assírio & Alvim em 1985. O mesmo tradutor será responsável pelo texto em português de Ghostkeeper (novela que integrara Psalms and Songs), publicado em 1988 pela Hiena, editora também responsável por Por Cima do Vulcão (1991), com tradução de Augusto T. Dias. No ano seguinte, a Estampa publicará a obra O Barco de Outubro para Gabriola (October Ferry to Gabriola), traduzida por Maria José Figueiredo. Anna Hatherly traduzirá ainda Através do Canal do Panamá (Through the Panama), que será publicado pela Relógio d’Água (editora que em 2007 reeditará Debaixo do Vulcão, com tradução revista). Um ano depois, José Agostinho Baptista traduz um conjunto de poemas – As Cantinas E Outros Poemas do Mar e Do Álcool.
Se Debaixo do Vulcão não suscitou, como referimos, grande interesse quando foi publicado em Portugal, não deixou de chamar a atenção e de entusiasmar alguns escritores. Carlos de Oliveira não o esconde, prestando-lhe homenagem com o poema «Debaixo do Vulcão», publicado em Micropaisagem em 1968, e passando o entusiasmo a outro grande escritor – Baptista-Bastos. O poeta Manuel Gusmão é outro admirador da obra, tal como Herberto Helder, que «mudará» alguns poemas para português, e Al Berto, que na edição do Diário de Notícias de 13 de Janeiro de 1985 dedicará a Malcolm Lowry cinco «cartas inúteis» e evocá-lo-á, anos mais tarde, em 1993, em O Anjo Mudo.
Outro grande poeta, José Agostinho Baptista, editará Debaixo do Azul sobre o Vulcão, texto de grande intensidade que percorre o México (país de eleição deste poeta, que, por medo de viajar de avião, nunca conheceu) e que retoma alguns dos ambientes e das personagens de Debaixo do Vulcão. Em 2000, Manuel de Freitas presta igualmente um tributo a Lowry com "Todos contentes e eu também" (nome de uma cantina em Tomalín – final do capítulo IX de Debaixo do Vulcão –, que, além de evocar o escritor inglês na epígrafe, contém os poemas «El Farolito» e «Gusano Rojo», nome de uma das incontáveis bebidas que o cônsul bebe ao longo do romance. No ano seguinte, a homenagem continuará no seu novo livro (Os Paraísos Artificiais), através dos poemas «Gloomy Sunday» e «Whiskey on a Sunday». Debaixo do Vulcão é ainda uma das obras favoritas do escritor Mário de Carvalho (considera Geoffrey Firmin uma das mais extraordinárias personagens da História da Literatura) e da crítica literária Ana Cristina Leonardo, que na edição do semanário Expresso de 19 de Agosto de 2012 considera ser um dos livros a levar para uma ilha deserta, apesar de ser a sua leitura, adverte, «contraindicada a todos os que buscam amenidade, conforto, repouso ou divertissement».
Depois de estar incluído em várias listas semelhantes, Debaixo do Vulcão integra com justiça e por direito próprio a lista dos melhores romances de sempre elaborada em Agosto de 2015 pelo jornal britânico The Guardian.
Quase setenta anos após a publicação de Debaixo do Vulcão, a actualidade do romance mantém-se incólume ao pó dos dias, compreendendo-se desta forma a incessante conquista de leitores em todo o mundo. Portugal não constitui excepção, para nosso infinito contentamento e para enorme regozijo dos amantes da Literatura. Cinquenta e quatro anos após a publicação de Debaixo do Vulcão em Portugal, está igualmente bem vivo no nosso país o génio de Malcolm Lowry.
No Norte de Inglaterra, onde repousa o corpo do profeta, ou em Omeyocan, onde jazem os amantes Yvonne e Geoffrey, os deuses não abandonam os seus entes mais queridos!
Lisboa, 6 de Setembro de 2015
En la primavera de 1933, Lowry va con Conrad Aiken —escritor estadounidense, su ídolo y mentor— y la esposa de éste a pasar unas vacaciones en España, un país que entonces vivía la Segunda República y donde no eran visibles todavía los signos que tres años más tarde darían lugar a la Guerra Civil, magistralmente abordada en Bajo el volcán. En Granada, el aguardiente no dejó de seducir a Lowry, tal vez demasiado, lo que le llevó a tener problemas con la Guardia Civil Andaluza y a dar razones a Aiken para enviar al joven a Inglaterra.
Regresando a Malcolm Lowry, sabemos que tomó un tren hasta Algeciras, y luego embarcó en el Strathaird en Gibraltar el día 29 de Mayo, fecha en que ese barco continuó su ruta a Inglaterra llevando al escritor a tierras lusitanas.
En 1961, catorce años después de su publicación en los Estados Unidos e Inglaterra, se publicó en Portugal, Bajo el volcán. La situación en Portugal no había cambiado mucho y éste sería un annus horribilis del dictador Salazar. La dictadura se mantuvo firme, las elecciones fraudulentas siguieron manteniendo a la Unión Nacional en el poder, pero el descontento popular y el combate al régimen empeoró durante todo el año.
La publicación de las restantes obras de Malcolm Lowry está dispersa en otras editoriales: Escuro como o Túmulo Onde Jaz o Meu Amigo —Dark as The Grave Wherein My Friend is Laid— fue editado por Publicações Europa-América, en 1973, con traducción de Carmen González. Ouve-nos Senhor do Céu que é Tua Morada —Hear Us O Lord From They Dwelling Place— está editado en 1976 por Iniciativas Editoriais, con traducción de Ana Hatherly. Lunar Caustic fue traducida por Aníbal Fernandes y publicada por Assírio & Alvim, en 1985. El mismo traductor será responsable del texto en portugués de Ghostkeeper —novela que integrará Psalms and Songs —, publicado en 1988 por Hiena, editorial que será también responsable de Por Cima do Vulcão (1991), con traducción de Augusto T. Dias. Al año siguiente, Estampa publicará O Barco de Outubro para Gabriola —October Ferry to Gabriola—, traducido por Maria José Figueiredo. Anna Hatherly traducirá también Através do Canal do Panamá —Through the Panama—, que será publicado por Relógio d’Água —Editorial que en 2007 reeditará Debaixo do Vulcão, con traducción revisada—. Un año más tarde, José Agostinho Baptista tradujo un conjunto de poemas: As Cantinas E Outros Poemas do Mar e Do Álcool.
Bajo el volcán no suscitó, como mencionamos, gran interés cuando se publicó en Portugal, pero no dejó de llamar la atención y emocionar a algunos escritores. Carlos de Oliveira no lo oculta, y le brinda un homenaje con su poema “Debaixo do Vulcão”, publicado en Micropaisagem en 1968, y entusiasmando a otro gran escritor: Baptista-Bastos. El poeta Manuel Gusmao es otro admirador de la obra, así como Herberto Helder, que traducirá algunos poemas al portugués, y Al Berto, que en la edición del Diário de Notícias del 13 de enero 1985 dedicará a Malcolm Lowry cinco “cartas inúteis” y lo evocará, años más tarde, en 1993, en O Anjo Mudo.
Después de estar incluida en varias listas similares, Bajo el Volcán forma parte, con justicia y derecho propio, de la lista de las mejores novelas que elaboró en agosto de 2015 el periódico británico The Guardian.
Lisboa, 6 de septiembre de 2015
(Traducción de Félix García)
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